Diario de um afortunado...

Dia 01 de Fevereiro 2009

Tenho de me despachar, os meus pais estão à espera de mim para jantar. Parece que a minha mãe trouxe um bolo do modelo, faço 17 anos e felizmente teve tempo de la passar quando vinha do trabalho.

O meu pai não podia porque hoje faz o turno da tarde e da noite, ele devia desistir de ser segurança do lidl, ganha o ordenado mínimo e no outro dia, ia sendo morto. Dizem que têm bons seguros, mas prefiro o meu pai vivo.

A minha mãe trabalha numa caixa de bomba de gasolina, no outro dia também teve um assalto, mas não foi grave, ela já está habituada, sabe que deve entregar tudo e ficar no chão até chegar a policia.

O patrão ameaçou-a despedir por ser tão "fácil" a entregar o dinheiro, mas se não tivesse o rabo sentado na poltrona enquanto lhe assaltavam a bomba de gasolina e visse a faca encostada ao pescoço já não dizia isso...

Vivemos num bairro meio manhoso, durante o dia ainda se consegue andar, agora durante a noite é melhor ficar por casa mesmo.

Mas hoje nem foi um grande dia, a stora de Inglês chateou-me a cabeça por não ter levado "uma vez mais" o livro, eu disse-lhe que estava à espera dele.

A minha mãe pediu-o emprestado de uma filha de uma amiga, mas parece que nem capa tem. O orçamento tem estado mais folgado, pelo que o meu pai me explicou, os juros estão baixos e a prestação da casa está mais acessível, no entanto leva quase tudo e o pouco que conseguem poupar estão a tentar guardar para quando eu for para a universidade.

No entanto, está difícil, porque apesar de ter boas notas, não tenho qualquer apoio do estado. Conheço um gajo que tem tudo grátis, anda num CEF e está-se a lixar para aquilo. Não percebo bem destas coisas, mas acho que não é muito justo.

Vi-o na sexta-feira passada a fumar uma ganza mesmo em frente à escola, o pior é que estava com a Cátia, acho que a miúda anda apanhadinha por ele e também já estava a fumar.

Mas mudando de conversa, tive a falar com o João no outro dia, ele disse-me que os pais não tinham dinheiro para o meter na universidade e que em principio ia começar a trabalhar depois do 12º.

Se tudo correr bem, os meus pais conseguem-me dar o curso na universidade, não posso é deixar-me dormir, tenho que entrar aqui na universidade do Porto. É quase 1h de viagem, mas tem que ser, não há guito para ir para longe.

Estive com a Raquel, é uma rapariga impecável, ela também quer ir para a universidade do Porto, vamos lá ver se conseguimos entrar os dois. As médias dela estão um pouco fracas mas eu vou tentar ajuda-la.

Claro que os nossos fins-de-semana de estudo acabam sempre em beijos, mas isso é outra conversa.

Bem, vou fazer aqui o trabalho de casa que amanhã tenho de entregar isto e não se faz sozinho...

Dia 01 de Fevereiro 2016

Ando desesperado, não consigo pagar a prestação da casa, a Raquel também não consegue arranjar emprego e eu não consigo sozinho.

Estou a trabalhar na Rádio Popular, já ando a fazer vários turnos extra para tentar ganhar mais algum.

Já desisti de tentar arranjar emprego na minha área, a coisa está difícil para os Biólogos. Não consigo perceber porque raio abrem tantas vagas de um curso que não tem qualquer saída.

E o problema fosse o meu, porque infelizmente grande parte dos meus amigos e até com outros cursos estão na mesma situação.

O meu casamento começa a ressentir-se com a escacês financeira, dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas a falta dele garante que essa felicidade não apareça.

Não conseguimos vender a casa para liquidar a divida, o mais certo é ficarmos sem ela e termos de alugar um cubículo qualquer.

Os meus pais tentam ajudar como podem, mas já estão a ficar velhotes e têm que pensar neles, já que pelo que vejo vão ter reformas miseráveis, com sorte nem vão conseguir pagar os medicamentos que precisam.

A Raquel falou ontem mais uma vez em engravidar, mas os planos de ter um filho, ficaram completamente fora de questão, nem sequer podemos pensar nisso, a nossa vida já está complicada o suficiente. Um filho nesta altura é impensavel.

Gostava de saber era como aquele gajo que mora no bairro aqui ao lado consegue sustentar 2 filhos e um BMW à porta, o gajo acabou por "casar" com a Cátia, gajo de sorte mesmo.

A Raquel está a pensar em desistir de procurar emprego na área dela e ir trabalhar para a loja de roupa da prima em Gaia, mas não temos carro e os transportes aqui são miseráveis. Também tenho insistido para que ela continue a procurar já que Gestão sempre está um pouco melhor que Biologia.

Teve uma entrevista na Worten no outro dia, pode ser que tenhamos sorte. Bem que precisávamos de uma entrada de liquidez. Não lhe vão pagar pouco mais que o ordenado minimo mas que se lixe, tem que se começar por algum lado.

O pior é que ela tem o Mestrado e é um pouco desmotivante vê-la descer tão baixo.

Eu queria tirar o mestrado, mas está impossível nesta altura, a ver se daqui a dois ou três anos a coisa compõe-se...

Estou farto desta vida, mas tenho de manter o optimismo, ainda vamos sair desta... afinal, tive tanta sorte ter conseguido alcançar o que alcancei....